domingo, 29 de abril de 2012

Desabafos

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Quando pequeno, sempre reparava numa casa que fica na rua onde meus avós moravam. Ali, nos galhos secos de árvores, diversos papéis, recortes de jornais e revistas, falavam de Deus com belas palavras de histórias e parábolas bíblicas. Nos muros de cimento, palavras tortas e com erros ortográficos eram pintadas de várias cores. Era tudo muito feio, perturbador para uma criança como eu. Os vizinhos também não pareciam muito satisfeitos com aquilo.
Certo dia, enquanto brincávamos, alguns amigos e eu passamos em frente à tal casa, quando uma mulher, aparentando 45 anos ou mais, surgiu sorridente por detrás do muro. Desdenhosos, perguntamos o que era toda aquela bagunça em frente à sua casa, e ela nos respondeu que era um desabafo. Sem compreender, pedimos mais explicações, e ela nos respondeu que iríamos entender quando crescidos. Rimos e debochamos enquanto seguíamos nosso caminho, e enquanto a mulher nos olhava, ainda sorrindo.
A tal mulher ficou gravada em minha mente: era aparentemente saudável, mas transmitia vibrações de fraqueza, insegurança e comodismo, além da visível humildade e pobreza. Estas duas últimas sempre as conheci, mas os sentimentos negativos, tão imperativos, estavam pesando dentro de mim. À medida em que eu crescia, percebia a tal mulher sendo vista como louca, uma doente à toa, esquisita, e, para crianças, uma bruxa sinistra.
Hoje, adultos, meus amigos e eu ainda falamos daquela mulher como uma louca, uma pobre desgraçada, esquecida por todos. Ela continua com seus desabafos em público, fortalecendo ainda mais sua antiga imagem negativa (perante a visão dos outros). Também hoje, meus amigos e eu possuímos nossas contas em redes sociais, e frequentemente compartilhamos fotos, dizeres e referências à quem/àquilo que amamos, odiamos, sobre nossas opiniões, conhecimentos, enfim. Da mesma forma que aquela mulher demonstra em público seu mundo, nas redes sociais demonstramos também nosso mundo, quem somos nós. É um desabafo. E percebo o quanto somos hipócritas em acusar aquela mulher como louca, estranha, como à toa. Assim como nós, ela possui seus motivos, suas necessidades.
Todos queremos e gostamos de nos expressar, faz parte da essência humana, mesmo sendo algo inconsciente. Alguns de forma discreta, outros de forma inusitada, uns mais criativos, outros mais grosseiros, e por aí vai. Este picha muro, aquele pinta camiseta, aquele outro posta coisas na internet, ali alguém escreve num caderno, e aqui ao lado uma mulher pendura mensagens em suas árvores. A pergunta sem resposta é “quem é o louco, e quem é o normal?”, mas a pergunta da qual a resposta é certa é “quem são os hipócritas?”.
Na verdade, se hoje ela tivesse um facebook seria então considerada como normal e aceita pela sociedade.

terça-feira, 3 de abril de 2012

Um Pouco Nostálgico

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Hoje acordei um pouco nostálgico, à procura de coisas carregadas de bons sentimentos do passado, como a música “Sweestest thing” do U2. Nunca reparei na letra, mas a melodia em si me faz sentir tão bem. Me lembra dum tempo quando não me preocupava com nada. Não me preocupava em estar sozinho, não me preocupava o sexo nem os beijos. Não me preocupava a saúde, nem minhas roupas, meu emprego ou minha formação (profissional/social). Não me preocupavam as dificuldades, nem as facilidades. O melhor disso tudo, é que não me preocupava o tempo. Podia ser qualquer dia da semana, ou qualquer hora do dia, eu apenas vivia. Aproveitava todos os momentos à me divertir com quem chamava em casa ou à brincar sozinho com minhas coisas. Naquele tempo não havia ano ou mês, nem riqueza ou pobreza, nem julgamentos. Era apenas a vida passando, despretensiosa.

Na maioria das vezes estes sentimentos são trazidos por áudios ou vídeos, (o cheiro de Leite de rosas – aquele da embalagem rosa e tampa branca – e de xampu Snoopy também me trazem lembranças boas). Procurei então sentir estes cheiros, ouvir algumas músicas e assistir a alguns vídeos. Interessante que, além de sentimentos, também voltam os mesmos pensamentos de outrora. É como se eu, no passado, tivesse feito uma anotação, uma gravação de sentidos e opiniões daquele tempo, e agora posso resgatar e viver tudo de novo.

Neste momento, percebendo as coisas em torno de mim, me assusto ao pensar em gravar nelas algo de ruim. Não quero isso! Tantas coisas belas estão espalhadas a meu redor, e seria horrível arranhá-las com sentimentos negativos. É preciso resgatar também minha alma de antes, dos anos de 199*, e continuar a fazer com que músicas, vídeos, livros, odores e fotos de hoje levem algo de bom para o amanhã. Onde está aquele meu espírito de antes? Estaria em alguma masmorra? Estaria em coma? Aconteceu algo com ele?

Continua...

http://www.youtube.com/watch?v=5WybiA263bw&ob=av2e