Quando pequeno, sempre reparava numa casa que fica
na rua onde meus avós moravam. Ali, nos galhos secos de árvores, diversos
papéis, recortes de jornais e revistas, falavam de Deus com belas palavras de
histórias e parábolas bíblicas. Nos muros de cimento, palavras tortas e com
erros ortográficos eram pintadas de várias cores. Era tudo muito feio,
perturbador para uma criança como eu. Os vizinhos também não pareciam muito
satisfeitos com aquilo.
Certo dia, enquanto brincávamos, alguns amigos e eu
passamos em frente à tal casa, quando uma mulher, aparentando 45 anos ou mais, surgiu
sorridente por detrás do muro. Desdenhosos, perguntamos o que era toda aquela
bagunça em frente à sua casa, e ela nos respondeu que era um desabafo. Sem
compreender, pedimos mais explicações, e ela nos respondeu que iríamos entender
quando crescidos. Rimos e debochamos enquanto seguíamos nosso caminho, e
enquanto a mulher nos olhava, ainda sorrindo.
A tal mulher ficou gravada em minha mente: era
aparentemente saudável, mas transmitia vibrações de fraqueza, insegurança e
comodismo, além da visível humildade e pobreza. Estas duas últimas sempre as
conheci, mas os sentimentos negativos, tão imperativos, estavam pesando dentro
de mim. À medida em que eu crescia, percebia a tal mulher sendo vista como louca,
uma doente à toa, esquisita, e, para crianças, uma bruxa sinistra.
Hoje, adultos, meus amigos e eu ainda falamos
daquela mulher como uma louca, uma pobre desgraçada, esquecida por todos. Ela
continua com seus desabafos em público, fortalecendo ainda mais sua antiga
imagem negativa (perante a visão dos outros). Também hoje, meus amigos e eu
possuímos nossas contas em redes sociais, e frequentemente compartilhamos
fotos, dizeres e referências à quem/àquilo que amamos, odiamos, sobre nossas
opiniões, conhecimentos, enfim. Da mesma forma que aquela mulher demonstra em
público seu mundo, nas redes sociais demonstramos também nosso mundo, quem
somos nós. É um desabafo. E percebo o quanto somos hipócritas em acusar aquela
mulher como louca, estranha, como à toa. Assim como nós, ela possui seus
motivos, suas necessidades.
Todos queremos e gostamos de nos expressar, faz
parte da essência humana, mesmo sendo algo inconsciente. Alguns de forma
discreta, outros de forma inusitada, uns mais criativos, outros mais grosseiros,
e por aí vai. Este picha muro, aquele pinta camiseta, aquele outro posta coisas
na internet, ali alguém escreve num caderno, e aqui ao lado uma mulher pendura
mensagens em suas árvores. A pergunta sem resposta é “quem é o louco, e quem é
o normal?”, mas a pergunta da qual a resposta é certa é “quem são os hipócritas?”.
Na verdade, se hoje ela tivesse um facebook seria então
considerada como normal e aceita pela sociedade.
Nossa!!! Caramba...seu melhor texto. Meus parabéns meu amigo.
ResponderExcluirNossa, xú! Valew!!!
ResponderExcluirSei bem de quem você quer falar... E de uma maneira ou de outra, sem nunca perguntar pra ela o porque de tudo aquilo, sempre pensei que houvesse uma coisa muito forte dentro dela que queria colocar pra fora. Aí as pinturas no muro, os papéis escritos pendurados nas árvores... Se a faz sentir bem, nada mal, desde que esteja na propriedade dela. O único problema que vi ali é que ela ultrapassou a fronteira do público e quis desabafar em lugar que não lhe pertence. Mas valeu pelo post. Muito bem escrito e refletido. Sua experiência com ela desencadeou uma reflexão muito profunda. Parabéns.
ResponderExcluirÉ isso mesmo, amigo! E da mesma forma que ela confundiu seu direito de se expressar acredito que muita gente das redes sociais também costumam passar dos limites, e é aí que quero chegar, pois geralmente criticamos aquela mulher e não percebemos que nós também podemos estar incomodando alguém. Acredito que mesmo nas redes sociais exista um limite para o desabafo. Obrigado pelo comentário!
ExcluirClaro que sim. Assim como ela não sabe distinguir o publico do privado, também não sabemos os limites da ética digital. Parabéns!
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